"Trata-se de uma reflexão que promove diálogo entre pressupostos da Educação Permanente em Saúde (EPS) e proposições desformadoras do poeta Manoel de Barros..." (Figueiredo et al, 2016)
Assim se inicia o resumo de um artigo que me cativou logo no princípio e com o qual venho trabalhando desde 2018.
Seu título diz Educação Permanente em Saúde e Manoel de Barros: uma Aproximação Desformadora, escrito por Figueiredo, EBL; Gouvea, MV e Silva, ALA, publicado na Revista Brasileira de Educação Médica. [1]
A escolha de Manoel de Barros como representação para a des-formação contida (ou pelo menos intencionada) nos processos de Educação Permanente em Saúde (EPS) foi certeira.
As autoras apresentam um de seus poemas como ponto de partida para a reflexão:
As Lições de R.Q.
Aprendi com Rômulo Quiroga (um pintor boliviano):
A expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.
Isto seja:
Deus deu a forma. Os artistas desformam.
É preciso desformar o mundo:
Tirar da natureza as naturalidades.
Fazer cavalo verde, por exemplo.
Fazer noiva camponesa voar – como em Chagall.
Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar.
Até já inventei mulher de 7 peitos pra fazer vaginação comigo.(Livro sobre nada - Manoel de Barros, 1996) [2]
A partir deste poema, se inicia a "conversa" entre EPS e Manoel de Barros, desenvolvida ao longo do artigo, dividido em quatro categorias: “A expressão reta não sonha. Não use o traço acostumado”; “A força de um artista vem das suas derrotas; só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro”; “Arte não tem pensa: o olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê” e “É preciso transver o mundo; É preciso desformar o mundo; Agora é só puxar o alarme do silêncio que eu saio por aí a desformar”.
Nas linhas que se seguem, são apresentados conceitos e marcos teóricos da EPS, mas também a beleza e simplicidade da escrita de Manoel de Barros.
Não pretendo revelar tudo que o artigo contém, pois ele merece ser lido e saboreado individualmente.
Esse artigo tem sido um ótimo disparador para discussão e reflexão sobre uma EPS mais sensível, criativa, delicada, libertadora, desconstruída, desafiadora...
Além de um pretexto incrível para acessar, difundir, celebrar a obra de Manoel de Barros!
Então vamos a ele... Segue uma pequena e despretensiosa (inventada?) biografia, construída tendo por base diversas fontes de informação, no intuito de despertar mais curiosidade de quem me lê.
Manoel Wenceslau Leite de Barros, nascido em 19 de dezembro de 1916, em Cuiabá - Mato Grosso. Filho de João e Alice.
Passou a infância em propriedade rural em Corumbá - Mato Grosso do Sul, município considerado porta de entrada para o Pantanal.
Posteriormente, vai para um colégio interno em Campo Grande - Mato Grosso do Sul.
Em 1937, publicou o primeiro livro de poesia, chamado "Poemas concebidos sem pecado". Neste mesmo ano, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde formou-se bacharel em Direito.
Militante do Partido Comunista.
Desiludido.Viveu na Bolívia, Peru e Nova Iorque.
Na década de 1960, casou-se com Stella Leite da Silva. Stella de Barros, no final das contas. Foram morar em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Tornou-se fazendeiro e criador de gado. E lá se foram 64 anos de união.
Que geraram 3 filhos: Marta, Pedro e João.
Representante da 3ª Geração Modernista, de 1945. Ao mesmo tempo, inclassificável... Sua poesia desafia rótulos e aspirações a padronizações...
Espontâneo. Inspirado na realidade imediata. Natureza e infância como material de criação.
Publicou mais de vinte livros. Vinte e oito livros, contaram algumas fontes.
Agraciado com diversos prêmios ao longo da vida, como o Jabuti, em 1987, por "O guardador de águas". Dizem por aí que foram 13 prêmios. Para mais. Ou para menos.
Perdeu dois filhos.
Faleceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014. Seus restos mortais descansam no cemitério Parque das Primaveras.
...
Deixo abaixo um dos desenhos do poeta, feito como parte de seu processo de criação. Esses desenhos eram parte tão importante desse processo, que mereceram uma exposição, a "Ocupação Manoel de Barros", do Itaú Cultural em 2019.
[1] https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-55022016000300324&script=sci_abstract&tlng=pt
[2] https://cs.ufgd.edu.br/download/Livrosobrenada-manoel-de-barros.pdf