No portão da casa, quem nos recebe é o cachorro, enorme e marrom. Assustador no tamanho, mas amigável na atitude. Ele tem por companhia um cachorro bem menor, que não faz questão de chamar a atenção de quem chega. O terreno é grande, acomoda casas e também uma grande área verde. Tem muita planta. Muita mesmo. Árvores, flores, frutas, cores, aromas e sombras. É um quintal generoso.
Em uma parte do quintal, protegida por um telhado e um muro baixinho, sentada em uma cadeira, está uma idosa. Ela é a dona da casa. Com seus cabelos bem grisalhos, pele muito branca, ela fala um tanto e chora um pouco. Fala mais e algumas lágrimas teimam em verter de seus olhos. Fala mais um tanto. Fala sobre ter com quem falar. Ela quer é prosear.
Queixa-se de solidão, ali sentada, com a paisagem verde exuberante de fundo.
Sua família é bem pequena, ela explica. A mãe faleceu há pouco mais de um ano, pelo que se lembra. Ou seriam dois anos? Era já bem idosa e precisou de muitos cuidados, ofertados pela filha única. Ela conta que viu a mãe morrer, sendo essa despedida muito traumática.
Ainda lhe sobram tios, bem velhinhos, que moram na cidade, contudo não estão perto.
Um único filho ela colocou no mundo. Ele tem uma companheira e uma filha de quatro anos com ela. Eles residem ali mesmo, na casa dela.
Ainda assim, ele lhe é distante...
Chorando, ela explica que não enxerga mais muita coisa. A catarata lhe levou a visão. Sua dor é depender dos outros para os mínimos afazeres cotidianos, ela revela. E chora.
A nora também chora. Não pediu para cuidar de uma idosa que nem mesmo é a sua mãe. Não tem a obrigação, ela diz.
No último final de semana, o casal e a filha fariam uma pequena viagem. Um respiro e um tempo apenas para eles. Haviam até conseguido quem cuidasse da idosa! Mas o programa de sábado mesmo foi acionar o SAMU para idosa e acompanhá-la ao pronto-socorro. Seu “açúcar no sangue” caiu vertiginosa e misteriosamente. Talvez tenha comido muito pouco antes injetar a insulina, cogita a idosa. Quem sabe?
Há quem diga que foi proposital...
Verdade é que o ressentimento anda solto ali, naquele quintal exuberantemente verde.