Dia desses, me deparei com uma reportagem antiga... Quatro anos já podemos considerar antiga, né?
Você pode ler a reportagem AQUI.
Enfim, era uma reportagem sobre o Banco da Amizade, uma proposta iniciada no Zimbabwe ou Zimbábue, por um psiquiatra atuante na universidade e na saúde pública de lá.
A reportagem em si já instiga a pensar, em especial para quem trabalha diretamente com saúde mental na saúde pública com inserção territorializada.
Decidi começar uma despretensiosa pesquisa sobre o Banco da Amizade e seu criador, para melhor compreender a proposta.
Escrevo este post para compartilhar o que encontrei. Não se trata de um post com ambições jornalísticas, mas uma simples compilação e exposição de informações pesquisadas e articuladas.
A figura central deste post é o psiquiatra Dixon Chibanda, psiquiatra, professor de Psiquiatria e Saúde Pública na Universidade de Zimbábue, professor associado de Saúde Mental Global da London School of Hygiene & Tropical Medicine e diretor da African Mental Health Research Initiative (AMARI).
No ano de 2006, ele se deparava com o seguinte cenário:
- entre 14 e 20 psiquiatras no país para uma população de 14 milhões de pessoas;
- profissionais de Medicina e Enfermagem em unidades de saúde também em número insuficiente;
- um país assolado pelo HIV, desemprego, violência doméstica e mais mazelas.
Diante desse cenário desolador, Dixon Chibanda teve a ideia de formar o pessoal da Enfermagem em estratégias terapêuticas em saúde mental. Mas não havia número suficiente de profissionais para garantir a eficácia da iniciativa.
A ideia seguinte foi a de formar mulheres idosas ("vovós", como aparecem nas notícias) para realizar o que compreendi como escuta e aconselhamento terapêutico. Essa escolha é atribuída pelo fato dessa população ser considerada guardiã da cultura e sabedoria locais. Há também a preocupação em combater o estigma das manifestações do sofrimento psíquico.
Esta iniciativa foi nomeada de Friendship Bench ou Banco da Amizade. O site é bem completo, atualizado e recomendo uma visita! 💓
Segundo informações, são ofertadas seis semanas de treinamento, com abordagem nos fundamentos da terapia cognitivo-comportamental.
As mulheres idosas também contribuíram no desenho da proposta, contestando o uso da linguagem científica e sugerindo termos mais próximos da realidade local.
Adorei conhecer a palavra "kufungisisa" 💘, que significa "pensar demais" em shona, uma língua local do Zimbábue, associada à depressão. (Apesar de que me remete mais à ansiedade... Mas quem está disputando diagnósticos aqui?). Há uma apropriação enorme na internet dessa palavra, que vale a pena conferir. Eu indico essa leitura AQUI, trecho de Culture And Common Mental Disorders In Sub-Saharan Africa.
O atendimento tem lugar em bancos instalados à sombra de grandes árvores, localizados na entrada dos centros (ou unidades) de saúde espalhados pelo país.
Faz-se necessário que o candidato ao atendimento responda a um questionário de 14 perguntas, sendo que deve obter o mínimo de 9 pontos. O questionário se denomina Shona Symptoms Questionnaire-14 (SSQ-14).
Em 2016, houve a publicação de um estudo científico na JAMA Network, validando e popularizando a iniciativa.
A ideia espalhou-se para outros países do continente africano como Quênia, Botswana, Malaui e Tanzânia.
Mais de 600 mulheres idosas já passaram pelo treinamento, espalhando-se por mais de 70 comunidades no Zimbábue.
Indico ouvir o próprio Chibanda falando da iniciativa neste vídeo do TED Talks.
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Curiosidade: nesta Copa do Mundo 2022, foram instalados Bancos da Amizade no Catar, país sede do evento.
Veja aqui: https://www.who.int/initiatives/sports-and-health/friendship-benches
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Mais referências para quem quiser explorar mais:
The Friendship Bench - Centre for Global Mental Health
No Zimbábue, avós são treinadas para ajudar no combate à depressão