sábado, 3 de junho de 2023

Cai o muro do cemitério

Ou

Crônica de uma segunda-feira chuvosa

 

Segunda-feira cinzenta e chuvosa. Umidade. Fazia um pouco de frio.

No WhatsApp, estava lá uma foto macabra. Um muro do cemitério municipal havia desmoronado. A calçada interditada não impedia o avistamento do espetáculo grotesco. Os escombros estavam espalhados na calçada, os nichos estavam expostos, tal qual em uma vitrine. Restos mortais humanos jaziam ali.

Não há mais paz. Nem para os mortos.

Não há descanso eterno. Lá se foi a promessa das mais fantasiosa que temos.

Poucas horas depois, uma lona preta estava deitada sobre o muro. Uma faixa colorida alertava os transeuntes quanto ao espetáculo incidental. Uma viatura da guarda municipal vigiava o local.

Será que temiam o furto, o vandalismo, o sensacionalismo de ossos humanos ou protegiam a imagem do poder público?

Poder público que já estava ciente do risco de desmoronamento, de ferimentos aos transeuntes, de exposição dos ossos humanos que lá repousavam. Pifiamente, vinha construindo um muro-por-fora-do-muro. Em silêncio.

“E quanto aos vivos?”, eu me perguntava. Quando aquela notícia corresse pela cidade, pelas mídias sociais mais velozes e vorazes que nunca, quantos entre nós pensaríamos: “Será que é o túmulo da minha família?”.

Pois bem, havia pelo menos uma família na cidade se perguntando isso.

E lá se foi uma das parentes, numa incursão ao cemitério, em plena segunda-feira de manhã, cinzenta-chuvosa. A missão que lhe fora incumbida: localizar o túmulo familiar na parte interior do cemitério e identificar se estava na área exposta pela queda-descaso do muro.

Assim o fez. Adentrou o cemitério, caminhou entre túmulos fechados, com o guarda-chuvas aberto. Conferiu a numeração das lápides. Ocasionalmente, leu um ou outro nome. Até que... Ali estava a morada eterna de sua família. Distanciou-se para ver além muro. Marcou as construções visíveis a partir daquele ponto. Saiu e contornou o muro do cemitério, até a parte-descaso que havia ido ao chão.

Não, não eram seus antepassados que tiveram os ossos expostos.

E isso era bom. Era um bom presságio para a semana que se iniciava.

 


 

Cai o muro do cemitério

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