quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Conversando sobre o próprio trabalho

Nestes tempos de ataque / desmonte da política que rege a Atenção Básica, o NASF (Núcleo Ampliado de Saúde da Família) não saiu ileso. Pelo contrário. Em apenas duas canetadas foi desmontado, pelo menos em termos de política / financiamento.

Em uma (estranha?) sintonia, uma das equipes de Saúde da Família (eSF) que apoio havia solicitado por uma formação sobre "matriciamento", antes de todo esse retrocesso.

Verbete "re-tro-ces-so", substantivo masculino, no dicionário Michaelis - 6 primeiras definições:

1 Ato ou efeito de retroceder; retrocessão.
2 Movimento para trás; recuo, retirada.
3 Retorno à época passada, especialmente na memória.
4 Volta a um estado ou condição anterior.
5 Destruição gradual de algo (sociedade, sistema, instituição etc.); decadência.
6 Retorno a uma condição, situação, estado etc. considerados ultrapassados.


Aproveitei a oportunidade para falar sobre apoio matricial, na intenção de demonstrar que a expressão "matriciamento", que tanto utilizamos na nossa rede, é apenas uma denominação para o "matriciamento em saúde mental". Mas o apoio matricial extrapola este momento em que nos reunimos com representantes dos serviços de saúde mental.

Então, era sobre falar sobre meu próprio trabalho... O que nunca é demais! 

Porque, em minha experiência, falar sobre o que se faz coloca em perspectiva esse "fazer". Circular e compartilhar sobre a própria prática esclarece e enriquece o fazer. Fortalecemos algumas certezas e duvidamos de outras. Ouvimos. Refletimos. Mudamos. 

É também sobre "ativação do olhar". É uma Educação Permanente em Saúde. 

Para cumprir tal intento, recorri às raízes, digo, aos Cadernos de Atenção Básica, disponíveis na internet. Aqui ó: https://aps.saude.gov.br/biblioteca/index 
(Consultem e baixem enquanto podem!)

Como conversar com eSF diversas sobre algo que está "no papel", estático e perfeitinho? Sendo alguém extremamente visual, escolhi algo interativo, com pequenos trechos de leitura, para esmiuçar e dialogar sobre o que está "na teoria".

Nesta experiência, a atividade foi realizada três vezes, com eSF diferentes, as quais reagiram e interagiram de diferentes modos. O que me dá o que pensar... Mas isso é outra dobra da experiência!

Iniciei o encontro solicitando que os participantes falassem o que lhes vinha à mente quando pensavam sobre atividades do NASF. Enquanto eles respondiam, eu anotava em uma pedaço de flipchart, que ficava no meio da roda, na mesa ou no chão (😄), para que todos fossem lendo.

 

Em seguida, comecei a trabalhar com o material que havia produzido para circular entre os participantes.





As tarjetas mostravam trechos do Cadernos de Atenção Básica n. 39, que se referem à conceituação de NASF e de apoio matricial - fotos 1 e 2 da sequência.

O material e a conversa convergiram para um aspecto mais prático previsto nesta atividade, que era apoiar as equipes na potencialização das "reuniões de matriciamento". A terceira foto aí em cima mostra como foi apresentada uma sugestão de um roteiro para se pensar os casos selecionados para o matriciamento.

O que escolho destacar desta experiência é que foi possível (e produtivo demais!) estimular os participantes a dialogar sobre o NASF. Eles perguntaram muitas coisas, solicitaram ações específicas do NASF, tiveram ideias sobre o que mais poderíamos propor, tiraram dúvidas.

E ouvir tudo isso disparou muita reflexão sobre o meu próprio fazer e as relações que vão se constituindo no mundo do trabalho, de diversos modos, e que se abrem para infinitas possibilidades.





quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Um tema difícil! Parte III

E chegamos ao último post da trilogia...

Para dar um fechamento a essa proposta, pensei em trazer a discussão para o cotidiano.

Porque o trabalho em saúde, ainda mais no território, se passa em cenários nem sempre dos mais favoráveis.

E precisamos sempre lembrar que trabalhamos em rede. Ainda que esta tenha que incessantemente costurada, remendada, reformada, ajustada. 

Por vezes, isso precisa ser discutido com as equipes. Porque os serviços de território tendem a absorver não apenas o impacto inicial de situações, mas também se sentem os únicos responsáveis pela resolução do caso.  

Então o terceiro encontro foi pautado na apresentação e discussão da rede que o município estruturou para o cuidado com a mulher vítima de violência doméstica.

Para tanto, utilizei esta cartilha produzida pela prefeitura, que reúne orientações diversas sobre o tema, muito úteis e em linguagem acessível, além de conter informações sobre os locais para buscar ajuda / atendimento.



Falamos sobre os serviços da rede, discutindo os modos de acesso possíveis, sempre pensando que cada mulher e cada situação é única, por isso os caminhos são diversos.


Também abordamos os limites da lei, dos serviços, dos protocolos e dos próprios trabalhadores.

E, não menos importante, refletimos sobre o tempo de cada mulher... E modos de sustentar o acolhimento na adversidade.

Para finalizar essa série de posts, deixo alguns links para apoiar as discussões.

O município de Santos conta com um Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres (COMMULHER).

https://www.santos.sp.gov.br/?q=institucional/commulher-conselho-municipal-dos-direitos-da-mulher 

É possível acessar uma versão da cartilha, do município de Santos, no link abaixo. Ainda que endereços e telefones possam estar desatualizados, há um material importante que pode ser trabalhado com equipes e população também.

https://www.santos.sp.gov.br/static/files_www/conselhos/COMMULHER/2016-03-15_cartilha_violncia_domstica.pdf

Há uma plataforma chamada Mapa do Acolhimento, criada em 2016. Por meio dela, se conectam mulheres vítimas de violência e terapeutas e advogados ofertando serviços voluntariamente. 

https://www.mapadoacolhimento.org/ 
 

 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Um tema difícil! Parte II

No segundo encontro, me desafiei a mergulhar no tema da violência doméstica.
Realizei inúmeras leituras e o leque de possibilidades não parava de aumentar.
Mas todos os caminhos levavam a refletir sobre a Lei Maria da Penha

Pronunciamos muito esse nome. Maria da Penha
Parece que todos sabem de quem se trata: "aquela mulher que ficou numa cadeira de rodas depois que o marido a agrediu".

Será tão simples assim?

Será que uma mulher, cujo nome batizou uma lei federal, pode ser reduzida a essa descrição? 

Fui ler sobre Maria da Penha. 
A Maria da Penha de ANTES do fato que lhe mudou a vida. 

Depois de ler muitos fatos de sua vida, comecei a achar que a biografia dela seria um importante tema de discussão.

Produzi um resumo, coletando informações de diversas fontes da internet. A impressão foi dividida em quatro trechos, considerando em fases de sua trajetória, para facilitar o compartilhamento e a leitura durante a atividade.


Mais uma vez, a leitura coube aos participantes da atividade, que iam falando sobre suas impressões, abrindo diálogos e reflexões a cada trecho.

Em seguida, foi discutido o modelo do Ciclo da Violência, também de forma visual, com a leitura em voz alta pelos participantes.






Mais informações podem ser encontradas aqui:
http://www.institutomariadapenha.org.br/violencia-domestica/ciclo-da-violencia.html
https://www.relogiosdaviolencia.com.br/ciclo-da-violencia

E aqui há uma reportagem bem explicativa sobre o Ciclo da Violência:
https://agenciapatriciagalvao.org.br/destaques/o-que-e-como-enfrentar-e-como-sair-do-ciclo-da-violencia/

Nesta parte da atividade, os presentes foram mencionando casos em que conseguiam identificar os ciclos. A partir daí, foi possível ressignificar essas situações vivenciadas pelas mulheres.
 
Em seguida, a Lei Maria da Penha foi trazida para discussão. Pela natureza da atividade, mais reflexiva, e considerando o contexto da mesma - a Saúde da Família - a ideia não era discutir todos os itens da lei. 

Enfoquei a tipificação das violências previstas na lei, de modo a ampliar e aprofundar o olhar para as muitas violências contra mulher com as quais nos deparamos no cotidiano. 

Os participantes foram lendo sobre cada um dos tipos de violências com exemplos, que circularam nestas filipetas:


Esta parte da atividade foi bem potente, pois os presentes foram pensando em casos, em relatos, em fatos que presenciaram ou vivenciaram.

Trazer a lei para discussão implica também em falar e refletir sobre os entraves na sua execução e na garantia dos direitos da mulheres em situação de violência doméstica. 

E essa problematização foi o mote para a terceira e última parte desta proposta...

Para saber mais sobre a mulher Maria da Penha:
http://www.institutomariadapenha.org.br/ 

Aqui se encontra a Lei Maria da Penha em inteiro teor:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm

Deixo ainda a indicação desta cartilha do Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul que é muito bacana e informativa:
https://www.mpms.mp.br/downloads/cartilha_148x210_web.pdf 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

Um tema difícil! Parte I

Primeiro post no formato "trilogia" 😊

Violência doméstica... 
Taí um tema difícil (mas extremamente necessário) de abordar!

Há tempos atrás, recebi uma encomenda para abordar o tema com uma equipe de Estratégia de Saúde da Família.
Aliás, não imagino equipe que acompanhe mais de perto esses casos do que aquelas que compõem a Saúde da Família.
Cada episódio de violência, assim que vaza pelas paredes da casa, se torna conhecido da comunidade e, em consequência, da Unidade de Saúde do território.

Precisamos falar sobre isso!

Não apenas com a população, mas também com as equipes, com os profissionais que cuidam.

Para atender a essa encomenda, fiquei matutando... Por onde começar?
A literatura é vasta. As possibilidades são infinitas. Mas era necessário definir um caminho.

Pensei na "feminização" que a área da Saúde vive.
Pensei nas mulheres que trabalham comigo.
Pensei nas mulheres que atendo.
Pensei em nós todas, enfim...

E decidi que o primeiro encontro seria sobre MULHERES. Simples assim!
Só não sabia como... 

Algo lúdico, dinâmico, agitado, leve... Um jogo! Um jogo de adivinhação.

Pesquisei sobre as conquistas das mulheres ao longo da história (relativamente) recente. Organizei uma linha do tempo, com a descrição da conquista e o ano. Transformei em pequenas filipetas. Ficou assim:







A atividade consistiu em distribuir as filipetas amarelas, com as conquistas, entre todos os participantes. Um participante por vez lia a conquista em voz alta, colocava na mesa e o grupo tentava adivinhar o ano em que ela ocorreu. 
Eu não deixei as filipetas rosas, com o ano, à mostra. Eles tinham que adivinhar sem pista nenhuma!


Para tornar a atividade mais interessante, incluí fotos de algumas das mulheres citadas nas filipetas amarelas:


 Essas imagens circulavam no grupo, na medida em que as mulheres eram citadas.


Toda a atividade rendeu muita conversa e risadas, para além dos fatos que apresentei.
Os participantes dialogaram bastante, fazendo muitas considerações sobre os fatos. 
Colocar em perspectiva algumas conquistas das mulheres, como por exemplo, o direito de fazer faculdade, de ter conta em banco sem precisar da permissão do pai ou marido, disparou inúmeras reflexões sobre a posição da mulher na sociedade. 

Alguns fatos causaram muito espanto, de tão recentes na linha do tempo. E essa era a intenção. 

Essa foi a forma como decidi iniciar o tema. Colocando a MULHER na centro da conversa. 

...

Para saber mais sobre o fenômeno da "feminização" da área da Saúde, seguem indicações de artigos para leitura, caso queiram se aprofundar no assunto.

A feminização da medicina do Brasil
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n2/a10v21n2.pdf

A força de trabalho do setor de saúde no Brasil: focalizando a feminização
http://www.ensp.fiocruz.br/observarh/arquivos/A%20Forca%20de%20Trabalho%20do%20Setor%20de%20Saude%20no%20Brasil%20.pdf 

Profissões e ocupações de saúde e o processo de feminização: tendências e implicações
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/118035/000894801.pdf?sequence=1

 

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